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Um rombo de 20 bilhões nas contas públicas, milhares de salários atrasados e um caos no sistema de saúde do estado, agravado pela falta de medicamentos e profissionais. O Rio está “quebrado” há muito tempo, mas a situação ficou explícita nos últimos anos, caracterizando a pior crise financeira que o estado já enfrentou, afirmou a economista da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Maria Beatriz de Albuquerque David. “Houve má gestão dos recursos públicos e administração temerária” apontou a economista. O governo do Rio apostou de forma errada no preço do petróleo e comprometeu o bolso do trabalhador.
Um dos problemas centrais para a calamidade atual do Rio de Janeiro foi a estimativa otimista que o governo fez sobre os royalties do petróleo, segundo explicou Maria Beatriz. O Rio é o estado que recebe a maior porção dos royalties no Brasil e tem economia apoiada nessa receita. Em 2014, o estado começou a adiantar as participações com o intuito de cobrir o rombo das contas previdenciárias e vendeu títulos de dívidas do Rioprevidência a investidores estrangeiros. O governo conseguiu mais de US$ 3 bilhões em crédito, e colocou os futuros royalties do petróleo como garantia de pagamento.
“Pegou-se os recursos dos royalties calculados a um preço excepcionalmente alto, que estavam ligados ao fundo de previdência do Rio. Com a queda do preço do petróleo para menos da metade, o governo teve que cobrir o prejuízo”, afirmou Maria Beatriz. Ou seja, o Rio fez um “empréstimo” contando com recursos que não vão entrar. No acordo de venda de títulos, o credor pode cobrar multa, reter receitas e aumentar os juros da dívida, caso a expectativa das receitas a serem recebidas caia a um nível considerado “calote técnico”, a qual é a situação atual do Rio.
“O governo endividou o estado e adotou uma gestão pública confiando demais nos preços do petróleo”, disse o cientista politico do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), João Feres. Segundo o especialista, o escândalo da Petrobrás durante a Operação Lava Jato, que teve início em 2014, contribuiu para crise do petróleo no país e para a redução da produção da commodity. Em 2015, o estado do Rio de Janeiro deixou de receber R$ 900 milhões em royalties.
Se a conta da previdência já estava negativa, sem os recursos dos royalties o problema se agrava. “Jogou o fundo de pensão de muita gente no lixo”, criticou Maria Beatriz. A dívida da previdenciária do Rio em 2017 deve ultrapassar R$ 10 bilhões. A economista explicou que principalmente quando se trata de recursos naturais não-renováveis, é preciso criar bases produtivas que desenvolvam outras atividades, para quando essa fonte acabar.
‘Bolsa empresário’
Outro fator gerador da crise econômica do Rio, segundo Maria Beatriz, é a concessão de isenção fiscal a negócios, sem o controle sobre benefícios e resultados que a empresa oferece de volta ao estado. “Não pode existir ‘bolsa empresário’, tem que ter retorno para a economia. A isenção fiscal é uma renúncia da receita de hoje, para que no futuro se tenha muito mais”, explicou a economista. No entanto, uma vez que não existe fiscalização sobre os resultados, a medida é perdida. Entre 2008 e 2013, o Rio de Janeiro concedeu R$ 138 bilhões em renúncia fiscal para empresas. O número de empresas no estado aumentou, mas as oportunidades de emprego não acompanharam esse crescimento.
Copa e Olimpíadas
Os eventos internacionais sediados no Rio serviram para agravar ainda mais a situação, na opinião de Maria Beatriz. “Num primeiro momento, houve a sensação de que as coisas estavam melhorando, porque entrou recurso, mas tudo que entra deve ser pago. O legado não é maior que o gasto” afirmou a economista. “A Copa e as Olimpíadas endividaram demais o estado”, reforçou Feres. Durante os preparativos para os Jogos Olímpicos, o governo anunciou o “estado de calamidade” do Rio e colapso na segurança pública, na saúde, e na educação.
Crise política
A falência dos serviços públicos está ligada à crise financeira, mas existe uma perda política no Rio que precisa ser avaliada, de acordo com Feres. O estado está sem liderança e sem espaço no cenário nacional, afirmou o cientista político. “O Rio se feriu muito com o impeachment da Dilma, passou do protagonismo, para um papel mais secundário”, disse. O PMDB do Rio “está destruído”, segundo Feres, por conta da prisão do ex-governador Sérgio Cabral e dos escândalos envolvendo o atual Luiz Fernando Pezão. “O estado está sem direção política.e precisa resolver esse problema estrutural”, acrescentou Feres.
O “desafogo”
Não existe solução de curto prazo e sem ajuda do governo federal, adiantou Maria Beatriz. No entanto, dois acontecimentos devem melhorar a situação do Rio de Janeiro: os novos leilōes de campos de petróleo, previstos para setembro, e a mudança na forma de pagamento dos royalties que deve começar a valer no próximo ano, apontou a economista. “Vai ser um período para ajudar contas e repensar a estrutura do governo do estado visando as prioridades do futuro”, concluiu Maria Beatriz.