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Em SP, chef conta segredos do melhor restaurante do mundo

Joan Roca, do El Celler de Can Roca, disse que criatividade foi ponto decisivo para a conquista e que a chave são as viagens e trocas de experiência com outros profissionais

Bruno Santos
Bruno Santos

Ao se deparar com o homem simples e simpático, preocupado em falar um espanhol compreensível, no auditório da Universidade Anhembi Morumbi, nesta segunda-feira (14), seria difícil imaginar que se tratava de um dos responsáveis por ganhar três estrelas Michelin, fazer de um restaurante duas vezes o segundo melhor do mundo e o primeiro na premiação deste ano, pela revista Restaurant. “Quando estávamos em quarto lugar, pensávamos que não tinha como melhorar. Se me perguntasse a diferença entre ser o segundo melhor e o primeiro, há um ano, eu diria que não havia. Mas ser o número um te valoriza para toda a sociedade”, contou o chef Joan Roca, que comanda o restaurante espanhol El Celler de Can Roca, ao lado dos irmãos Jordi e Josep, na cidade de Girona.

Apesar de reforçar que “cada pessoa tem seu melhor restaurante”, ser escolhido como o melhor do mundo foi “desconcertante” e “maravilhoso” para o chef. Os três irmãos estavam em Londres em abril e puderam subir ao palco juntos em meio aos aplausos de colegas e admiradores. “Cozinhar é uma forma de transmitir amor, afeto e carinho. Vamos continuar a fazer o que já estávamos fazendo”, disse ele durante palestra na universidade. E quando ele fala em “continuar” resgata a história de três gerações dedicadas à gastronomia: os pais do trio, por exemplo, têm um restaurante tradicional na cidadezinha com menos de 100 mil habitantes, a apenas 200 metros do El Celler de Can Roca.

As conquistas dos irmãos, portanto, refletem em uma luta de toda a família. “Minha mãe está contente porque estamos os três juntos nos dando bem, mais do que pelo prêmio”, contou Roca. Enquanto o restaurante dos pais de Roca recebe operários e serve pratos a preços populares, o El Celler de Can Roca, que já existe há 27 anos, chega a ter fila de espera de um ano, conta com 35 cozinheiros e um menu degustação composto por mais de 20 pratos. No entanto, os irmãos Roca e os funcionários do melhor restaurante do mundo são clientes assíduos do estabelecimento tradicional: “é como um cordão umbilical, para lembrar os valores da família e tocar os negócios com os pés no chão”, disse.

Um laço próximo ao existente entre familiares, segundo ele, é o formado entre os chefs e profissionais da gastronomia. O brasileiro Alex Atala, também indicado ao prêmio de melhor restaurante do mundo e tido como favorito por críticos, é amigo pessoal de Joan, assim como Rodrigo Oliveira, do Mocotó, e Helena Rizzo, do Maní. “Há algo bonito na cozinha que é o respeito, cordialidade e amizade. A cozinha está acima das receitas e nacionalidades”, disse ele.  A única forma de evoluir na ciência gastronômica é na experimentação de culturas de outros países e trocas de informações entre profissionais, segundo Joan. “Viajamos o mundo para incorporar técnicas”, disse.

O número um

Criatividade e autenticidade foram as qualidades destacadas pelo chef para que o restaurante conquistasse o prêmio. “São ingredientes intangíveis. Honestidade, esforço, trabalho e aquele inconformismo para fazer cada vez melhor”, acrescentou. Segundo Joan, cozinhar vai além da receita e o mais importante no processo criativo é o conceito, a mensagem que se quer passar. O El Celler de Can Roca trabalha com diversos pontos, entre eles, tradição, memória, academicismo, produto, paisagem, vinho, cromatismo, transversalidade, perfume, inovação, liberdade, magia e sentido do humor.

Utilizando a memória como ponto de partida, é possível criar pratos que remetam à infância ou momentos vivenciados ao longo dos anos, exemplificou. A transversalidade consiste em dialogar com outras disciplinas para obter um instante de beleza de determinado prato. A liberdade está focada em adquirir culturas internacionais e incorporá-las às técnicas habituais. Após a premiação, os irmãos decidiram estudar a clientela do restaurante e descobriram que, entre 10 mil clientes, havia 54 nacionalidades diferentes. Eles criaram, então, aperitivos inspirados em alguns dos países para servir como entrada dos pratos.

Gastronomia e arte

Pensando na importância dos conceitos na gastronomia, em maio deste ano, os irmãos decidiram fazer um filme gastronômico, com culinária, imagens, música e arte. “Nossa ideia é buscar os limites em provocar emoções que a gastronomia possui”, afirmou. O filme tem 90 minutos – será transmitido em salas comerciais no próximo ano – e proporciona experiência de vida através da culinária e da arte, com pratos que passam o sentimento de morte, até uma massa que respira e simboliza o retorno à vida.

Os J. Rocas

“Fui o primeiro a decidir ser chef, tinha 10 anos”, contou Joan, que é o irmão mais velho. Josep foi o segundo, devido ao amor pelas bebidas, e se tornou sommelier de vinhos. “O melhor do mundo”, segundo o primogênito. O restaurante começou, inicialmente, com o trabalho dos dois. “Não esperávamos muito do Jordi”, contou Joan, por ele ser mais preguiçoso. Mas, os dois irmãos se enganaram e o caçula se tornou um especialista em bolos e doces. “Ele se encaixou muito bem, formando um triângulo. Jordi é a criatividade, tem ideias impossíveis e é a alegria. Ele assume a cozinha quando eu não estou”, disse Joan.

Os três juntos conseguiram construir o que hoje é o El Celler de Can Roca. Segundo Joan, os últimos seis anos foram os mais importantes para o restaurante, quando realmente o negócio começou a crescer. Eles trabalham em equipe, mas Joan fica mais encarregado do menu principal, Josep cuida dos drinques e vinhos e de como encontrar, buscando o quanto for necessário, o adequado para cada prato especial, enquanto Jordi se encarrega da gastronomia doce, de descobrir novas técnicas e viajar pelo mundo em busca de novos ingredientes. Do Brasil, Joan destacou o cupuaçu. “Tem o sabor brasileiro”, disse.

 

 

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