SAÚDE

Mais de 100 crianças recebem ‘fórmulas de super-heróis’ contra câncer

Fernando Borges
Fernando Borges

“Eu também quero a minha superfórmula, mãe”, reclamou Ana Carolina Assunção Leite ao se dar conta de que seu quarto não estava equipado com a caixa de superpoderes. Inconformada, ela fez questão de exigir seu direito aos enfermeiros. Há três meses, a garotinha de 10 anos trocou a escola convencional pela hospitalar e transformou o corredor do sexto andar do Hospital A.C. Camargo, onde fica a ala de oncologia infantil, em uma pista de patinação. “Aprendi com a Isabela, minha amiga daqui”, contou após uma corrida pelo corredor sobre as rodinhas do suporte para soro.

Olhar para a Ana Carolina, futura “professora de matemática” como ela diz, e imaginar que precisa de alguma fórmula mágica para ficar bem é improvável. Sorridente e agitada, o que não falta para ela é disposição.  A versão médica, no entanto, é contrária: Ana Carolina foi diagnosticada com leucemia em março. A superfórmula? Uma maneira de humanizar o tratamento de quimioterapia: as crianças recebem o medicamento embalado em caixinhas de super-heróis, no caso de Ana Carolina, a fórmula da Mulher Maravilha.

A iniciativa que começou há cerca de duas semanas já atendeu mais de 100 crianças, segundo a diretora de oncologia pediátrica do hospital, Cecília Maria Lima da Costa. Cada porta é guardada pelo quinteto da Liga da Justiça e mais de 30 superfórmulas são aplicadas diariamente. O projeto foi apresentado ao hospital pela agência JWT. A DC Comics liberou, sem custo algum, o direito de uso das imagens dos super-heróis.

“As crianças aderiram e se envolveram com a história. Elas falam ‘quero a superfórmula do Batman’, ou ‘quero a do Super-homem’”, disse Cecília. Segundo ela, com os personagens, existe menos resistência ao tratamento, pois as crianças se inspiram nessas figuras e é possível abordar o assunto de forma mais descontraída “do que falar em quimioterapia”. “O remédio é visto como uma coisa boa, foi um tiro certeiro”, afirmou Cecília. Até mesmo os efeitos colaterais podem ser reduzidos com o trabalho emocional, completou ela.

Dia de quimioterapia não é dia de sofrimento para Maria Júlia. Pelo contrário: “ela vem toda feliz”, contou a mãe Adriana Alves de Sousa. Os homens e mulheres de jalecos brancos fazem parte de quase metade da vida da garotinha de 3 anos e ela os adora: “quero ser doutora”, contou. Há um ano e quatro meses, foi diagnosticado um tumor no cérebro de Maria Júlia, ela parou de andar e de falar. Mãe e filha viajaram de Goiânia a São Paulo para cirurgia de retirada do tumor.

Na última segunda-feira, porém, não foi a Maria Júlia debilitada que recebeu a equipe do Terra.  Ela ficou com olhar desconfiado nos primeiros momentos, mas logo começou a falar, vestiu uma boina rosa para cobrir o cabelo que ainda não teve tempo para crescer e posou para as fotos. “Gosto da Mulher Maravilha”, contou ao apontar para a sua superfórmula. “A Júlia é uma guerreira, faz a ‘quimio’ uma vez por mês e depois trago ela para tomar vacina por 12 dias seguidos, para subir a imunidade”, contou Adriana. O restante do mês elas aproveitam para ficar com a família na terra natal.

​Mundo paralelo

A rotatividade nos 15 leitos da ala de oncologia infantil do hospital A.C. Camargo é alta, segundo a diretora do centro, mas é comum que o mesmo paciente fique internado repetidas vezes ao longo dos dois anos (tempo estimado) de tratamento por queda de imunidade. Nesse tempo, as crianças ficam impedidas de frequentar escola, brincar na rua e fazer atividades com exposição. Por isso, além dos quartos, um grupo de professores do Estado e município auxilia no aprendizado dos pacientes e uma sala repleta de brinquedos serve como entretenimento.

“Eu brincava de patins, bicicleta, corda e várias coisas, mas agora não posso por causa das restrições”, contou Ana Carolina. Ela sente saudade dos colegas de classe, mas se aplica nos estudos no hospital. Para gastar energia, faz bagunça com outros pacientes e durante a visita do pai e dos dois irmãos: “só deito para dormir”, disse. Adriana contou que a quimioterapia às vezes “abate a criança, provoca febre e não permite uma vida normal, por isso é preciso evitar algumas coisas”. Ana Carolina foi internada na quinta-feira e Maria Júlia no domingo por baixa imunidade.

O caso de Erick Yuuji Tsukasaki é mais complicado. Instalado em um quarto ao final do corredor, ele estava abatido e precisou de esforço para falar em um tom quase inaudível. Erick foi diagnosticado com leucemia em dezembro, o quadro evoluiu e ele passou para o grupo de alto risco. Prestes a completar 13 anos no próximo dia 17,  Erick começou ciclos de quimioterapia pesada e ficou com o sistema imunológico abalado. “Cheguei no sábado aqui. Fico muito cansado e com enjoo”, contou sobre o tratamento. Apesar de fã do Batman quando mais novo, na segunda-feira ele recebeu a superfórmula do Lanterna Verde.

Time de heróis e heroínas

“Tem a Júlia, a Bárbara, o Natan, o Léo (…)” enumerou Ana Carolina os amigos que ela fez no hospital. Quando estão internados, brincadeiras não faltam, segundo a mãe Adriana. “Eu vejo as outras crianças melhorando firme e forte e isso dá energia para apoiar a Ana Carolina a melhorar também. Eles falam dos procedimentos que já fizeram, contam experiências e brincam”, disse ela. “Se eu estiver no hospital em outubro, vou fazer minha festa de aniversário aqui”, avisou Ana Carolina.

Para tirar o foco da doença, o hospital A.C. Camargo organiza anualmente uma excursão com acampamento para as crianças e familiares. Segundo a assessoria de imprensa, os irmãos saudáveis, pacientes em tratamento e ex- pacientes são convidados a ir. “Tudo que pode descontrair, deixar o dia mais ameno e humanizar o tratamento é bom”, concluiu Cecília. A ala de oncologia infantil conta com quatro médicos titulares e quatro residentes, atende pacientes de 0 a 18 anos e cerca de 60% dos atendimentos do hospital é pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O índice de cura do câncer infantil, segundo a assessoria de imprensa do hospital, é de 8 em cada 10 pacientes.

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