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Filho do colombiano Pablo Escobar, um dos maiores narcotraficantes da década de 1980, morto em 1993, o arquiteto Sebastian Marroquín construiu uma vida completamente oposta à que viveu quando criança ao lado do pai. Mas a lembrança do contato precoce com as drogas ainda é forte: “Ele (Pablo Escobar) me enumerou todas as drogas possíveis, como eram apresentadas, quais eram os efeitos, como se consumia, quanto valiam, quais os efeitos secundários que trariam para a pessoa, uma a uma. Eu tinha 9 anos. Ele me deu uma aula magistral sobre as drogas”, contou em entrevista exclusiva ao Terra.
Com a mulher grávida, Marroquín planeja usar a mesma estratégia que foi eficaz com ele para abordar o tema das drogas com seu filho. “Vou educar ele ou ela da mesma maneira como meu pai fez. Desde muito cedo, meu pai me falou sobre os perigos das drogas”, disse. Quanto à idade, o colombiano, que vive atualmente na Argentina, não pretende esperar até a adolescência do filho: “tem que começar cedo, as crianças de hoje vão muito mais rápido que a nossa geração”, reforçou.
Pablo Emilio Escobar Gaviria, nascido em 1º de dezembro de 1949, é considerado o mais famoso traficante da história. Fundador do Cartel de Medellín, ficou mundialmente conhecido por ser violento, ambicioso e poderoso. Teve tanto poder que chegou a oferecer-se para pagar a dívida externa da Colômbia. Virou seriado de TV e o que sobrou de seu patrimônio tornou-se ponto turístico obrigatório no país. Teve coleções de carros antigos, motocicletas caríssimas, obras de arte, casas extravagantes com torneiras de ouro e até um zoológico particular.
Foi morto em 2 de dezembro de 1993 numa ação realizada pelo Bloco de Busca, operação formada pelo governo do então presidente César Gaviria após a fuga do narcotraficante da prisão La Catedral. Escobar foi alvejado no telhado da casa, quando tentava fugir.
Marroquín, que se posiciona a favor da legalização das drogas, conta ainda como a vida de narcotraficante está longe do glamour mostrado nos filmes. Confira a seguir entrevista completa.
Terra: Uma série sobre a vida de seu pai que está estreando na Colômbia gerou uma divisão de opiniões. Alguns consideram que a produção exalta a figura do narcotraficante. Outros acreditam no resgate da memória histórica das vítimas. Qual a sua visão? Você foi consultado para a construção da história?
Sebastian Marroquín: Não, absolutamente ninguém me consultou, sequer pediu autorização para tratar sobre a história da minha família. Penso que eles estão passando uma mensagem errada para os jovens. Estão enviando a mensagem de que ser narcotraficante é algo glamoroso e isso é um perigo para as novas gerações que podem interpretar mal esta mensagem e ingressar no mundo violento das drogas.
Terra: E qual é a realidade de um narcotraficante?
Marroquín: Primeiro, não é tão bom negócio como parece. Pode perder a sua vida, dos seus familiares, sua liberdade, as chances de triunfo são muito poucas. Tenho conhecimento de poucos narcotraficantes que estão bem, a maioria está morto.
Terra: O que você herdou do seu pai?
Marroquín: Preservar e conservar as coisas positivas, as boas intenções para os mais necessitados. Basicamente é isso. Tenho muitas lembranças. Como filho, recebi muito amor do meu pai.
Terra: É verdade que o dinheiro herdado por sua família teve que ser gasto para pagar a máfia, pois só assim vocês teriam uma vida tranquila?
Marroquín: Sim. Sempre que morre um narcotraficante vêm os antigos amigos e inimigos cobrar da família os custos da guerra.
Terra: Mais do que ninguém, você e sua família viveram a guerra contra as drogas, você acredita que a legalização pode mudar o panorama de mais de três décadas de violência?
Marroquín: O que eu considero é que faz 40 anos que se luta e se tem declarado uma guerra contra as drogas. É uma guerra que já fez muitas vítimas, que tem colaborado e contribuído para a violência, que é cada vez maior e mais forte. Os narcotraficantes hoje têm um maior poder de violência, de corromper as instituições democráticas e de ameaçar a democracia. O que parecia antes um jogo, hoje é algo muito perigoso, está envolvendo muitos jovens e derramando muito sangue por toda a América Latina. Quarenta anos provando a mesma fórmula com resultados cada vez piores é um indicativo para repensar efetivamente a maneira como se está combatendo. É um problema de saúde pública que não pode ser tratado como militar.
Terra: Como combater o narcotráfico?
Marroquín: Creio que é preciso elaborar uma estratégia conjunta e não se deve falar apenas da descriminalização do consumo, tem que tratar o problema por completo, não apenas uma parte. A educação é uma parte muito importante, que se tem ignorado e não se dedicou recursos econômicos. Se tivessem investido metade dos recursos da guerra contra as drogas em educação os resultados seriam muito melhores do que a violência e a cultura do terror que estamos vivendo. Creio que militarmente é impossível resolver esta questão.
Terra: Como você se reergueu após a morte do seu pai?
Marroquín: Graças ao apoio da minha mãe, da minha mulher e da minha irmã e à minha educação, que pude receber em outro país. Foram momentos muito difíceis, fui ameaçado de morte até o último momento, participei de encontros que pensava que não sairia com vida, não queria responder mais pelos delitos dos meus pais. A Argentina foi um país generoso. Abriu-nos as portas e nos permitiu viver ali. Pudemos nos mudar e ficar longe da violência do mundo no qual estávamos imersos.
Terra: Houve alguma mudança na sociedade colombiana e até nas operações de narcotráfico desde a morte de seu pai?
Marroquín:Lamentavelmente a morte do meu pai não mudou nada. O esquema de narcotráfico na Colômbia ainda é muito grande. Tampouco a morte de outros grandes “capos” que vieram depois dele modificou algo. Morreram dezenas, centenas. Já estamos um pouco cansados de escutar que o cartel tal foi destruído, que agora vem outro cartel de outro lado, de outra cidade ou de outro país. Simplesmente, mudam as pessoas, os sobrenomes, mas a história é a mesma.
Terra: Como você vê seu pai hoje?
Marroquín: Foi meu grande amigo, um grande conselheiro, um homem que me deu muito amor, que tinha boas intenções, mas que, lamentavelmente, nos negócios, integrava o narcotráfico, tão ligado à violência. Acabou destruindo todas as suas intenções e desviando-se do caminho para a violência. É tão triste o que sofremos, os colombianos, nas décadas de 1980 e 1990.
Terra: Quais os principais fatores que levam um jovem a começar a usar drogas?
Marroquín: Creio que diversos fatores. A droga atinge toda a sociedade, independente de nível socioeconômico. É muito importante receber amor, boa educação sobre as drogas, desde muito cedo, pois cada vez mais as crianças estão se aproximando das drogas e não têm informações, não sabem os efeitos e consequências negativas que têm sobre eles e também sobre suas famílias. A droga não distingue posições sociais, atinge a todos, desde famílias de presidentes até as mais pobres da América Latina. Todos têm que ter muitas informações, educação e campanha de prevenção. Definitivamente é algo que não se resolve com balas.
Terra: Qual é o papel do governo e dos pais?
Marroquín: Acredito que todos têm que trabalhar, os pais também precisam ser educados sobre as drogas, sobre como ensinar aos filhos dos perigos de entrar nas drogas. O coletivo tem que trabalhar para gerar uma sinergia que permita que todos enfrentem o problema, sem armas.
Terra: No Brasil, o que poderia ser feito para diminuir o número de usuários e de narcotraficantes?
Marroquín: Existe uma crença de que se liberar ou legalizar as drogas aumentaria o consumo. Não existe cifras reais, não há informação verídica. A informação que há sempre está contaminada por interesses pessoais ou institucionais. Um ambiente hostil, de guerra e enfrentamento, a única coisa que faz é dividir a sociedade. Nasci filho de um narcotraficante, só isso já me colocou de um lado que eu nunca quis estar. Quando nasci, já haviam declarado uma guerra que eu não sabia que tinha que participar. Quando tive oportunidade, cresci e decidi ficar fora dessa. A lição que aprendi e quero compartilhar com os jovens é que eu me dedico a não repetir a história, a reinventá-la e a extrair as experiências positivas. Trago minhas experiências pessoais para compartilhar com todos, para que os jovens evitem ingressar no caminho da violência.
Terra: Com educação e informação dos jovens sobre as drogas, a legalização diminuiria o número de usuários e traficantes?
Marroquín: Se requer uma estratégia conjunta, não se pode trabalhar de maneira isolada. A sociedade não pode estar de uma lado, o governo de outro e a família pensando outras coisas. Tem que haver uma unificação de critérios. Não quero dizer jamais que as drogas são boas, mas a proibição as deixa ainda piores. Elas são de má qualidade. Colocam vidro moído para aumentar o volume da cocaína. Não há controle de qualidade. As drogas são muito mais destrutivas graças a questão da proibição.
Terra: A proibição incentiva os jovens a começarem a usar drogas?
Marroquín: Sim. É o primeiro atrativo. Se não quero mostrar algo, te digo que está proibido ir a tal lugar. Você vai ficar com curiosidade, o que vai te levar a provar. Em definitivo, é um efeito contrário. Quando se proíbe, se está incentivando que mais gente e mais jovens sintam curiosidade: o que é isso? O que estão me escondendo?
Terra: Como você abordará o tema drogas com seu filho?
Marroquín: Vou educar ele ou ela da mesma maneira que meu pai fez. Desde muito cedo meu pai me falou sobre os perigos das drogas. Quando eu era muito novo, ele me chamou para falar dos efeitos negativos das drogas. Ele me deu uma aula magistral sobre as drogas, sem dúvida vou copiar sua estratégia. Ele enumerou todas as drogas possíveis, como eram apresentadas, quais eram os efeitos, como se consumia, quanto valiam, quais os efeitos secundários que trariam para a pessoa. Uma a uma. Eu tinha 9 anos. Tem que começar cedo, as crianças de hoje vão muito mais rápido que a nossa geração. Sobre isso, falo com bastante propriedade porque vi como minha família se destruiu.
Terra: Qual a diferença dos traficantes do passado em comparação aos de hoje?
Marroquín: Os traficantes de hoje traficam muito mais que os de antes. O negócio cresceu, é um atrativo para muitos. Sempre que um narcotraficante morre, existem várias pessoas querendo ocupar o seu lugar. As pessoas estão dispostas a matar para conseguir fortuna com o negócio. Sempre são as classes mais pobres que estão mais vulneráveis, que não têm trabalho digno. Se as pessoas mais necessitadas tiverem oportunidade de trabalho, pode-se evitar que muitos membros sigam o caminho das drogas. No mundo legalizado, a corrupção desapareceria. Já ocorreu com o álcool, com o tabaco. Matamos por álcool e tabaco. Finalmente, foi melhor adotá-los como parte da humanidade, mesmo sendo drogas mais perigosas.
Terra: Por tudo que viveu, qual mensagem deixaria aos jovens que pensam no narcotráfico como algo glamoroso e para os usuários?
Marroquín: O negócio do narcotráfico parece muito rentável, muito dinheiro, carros lindos, mansões. Porém, é tudo muito curto. Não dura muito tempo. Os narcotraficantes terminam mortos. Um dia estava com meu pai escondido, tínhamos muito dinheiro escondido, muitos milhões. A comida acabou, ninguém que estava ali tinha liberdade para pegar o dinheiro e comprar comida. Começamos a morrer de fome, rodeados de milhões de dólares. Tem que pensar duas vezes antes de acreditar que dinheiro é a solução para todos os problemas.
Assista o vídeo: http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI5810507-EI8140,00-Tive+aula+sobre+drogas+ao+anos+diz+filho+de+Pablo+Escobar.html#tarticle
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