SAÚDE

Estado de saúde determina tempo de espera por transplante

Sentado em uma cadeira bem ao lado da janela, Cláudio Kanagusiku, 49 anos, observava os carros que passavam pela avenida Brigadeiro Luis Antônio, durante a manhã de sol na cidade de São Paulo. Apesar de um pouco abatido, Kanagusiku manteve o bom humor e anunciou que queria “receber um cachê”, ao autorizar a fotografia.

Se não fosse a barriga inchada bem marcada pelo avental azul, talvez nem se notasse que aquele senhor simpático tinha uma doença grave. Ele garantiu não sentir dor ou incômodo algum, mas o fígado já não funcionava como antes. “Eu tenho cirrose e hepatite C e há dois meses estou aqui esperando o transplante”, explicou. Estas palavras foram ditas há mais de dois meses, primeira vez que o Terra visitou Kanagusiku.

Ele estava internado no quarto andar do Hospital de Transplantes do Estado de São Paulo Dr. Euryclides de Jesus Zerbin, o único público especializado em transplantes. Antes disso, havia passado um mês nos hospitais Emílio Ribas e no Dante Pazzanese.

O drama de Kanagusitu começou do outro lado do mundo, quando ele vivia no Japão, no início de 2009. “Eu comia muito mal e minha barriga não parava de inchar, daí um amigo me indicou um chá e eu comecei a tomar. Eu nem comia e evacuava”, lembra. Até que um dia ele teve uma convulsão e foi parar no hospital. “No exame de sangue descobriram que eu tinha hepatite C”, disse. Como o tratamento no Japão era de alto custo, em fevereiro de 2009, ele chegou ao Brasil, de onde havia saído seis anos antes para trabalhar com peças de carro no oriente.

Desde então, Kanagusitu faz tratamento contra a doença e aguarda o momento de receber o fígado de um doador. Mas não é o tempo o que conta na fila de transplantes de fígado e sim a gravidade da doença. O paciente que estiver com o fígado mais comprometido tem prioridade na fila.

Apesar de cinco meses internado, a vez de Kanagusiku ainda não chegou e seu estado de saúde só piorou. No dia 8 de novembro, ele recebeu alta do hospital, para tentar se recuperar em casa. Na ocasião, segundo a irmã do paciente, Leonor Takano, ele não conseguia mais falar e não andava.

“Ele ficou um mês em coma, por causa de um procedimento que não deu certo. (…) Agora que ele está começando a falar, mas quase não dá para entender, ele não fica sentado sozinho, está fraco, pele e osso”, contou. Kanagusiku teve de tirar água dos pulmões, a operação não correu bem e ele teve de ser ligado a aparelhos da Unidade de Terapia Intensiva. “Ele estava bem antes deste procedimento”, disse a irmã.

Segundo ela, os médicos acharam que ele estava depressivo e decidiram o mandar para casa, para tentar uma recuperação. Kanagusiku continua na lista de espera por um fígado, mas ainda não há previsão de quando conseguirá o transplante. “Voltamos a luta do Melds( sigla em inglês para modelo de gravidade de doença terminal)”, disse ela. Para conseguir o transplante o índice mínimo é 28, a condição de Kanagusitu é 17.

Doações ainda são insuficientes
O superintendente do hospital, Otávio Monteiro Becker, explica que, quando a hepatite ou cirrose “fulmina” o fígado, a pessoa vai para o primeiro lugar da fila de espera, independente se foi internada antes ou depois dos outros pacientes. Apesar das doações terem aumentado nos últimos anos, para Becker, o número está longe de atender a demanda. “Temos 16 internações que esperam o Melds subir para fazer o transplante”, disse. Isso, segundo ele, porque não existem doadores suficientes.

O aposentado Adenor Edson Ferreira, 62 anos, não teve que passar por uma longa espera e, 15 dias depois da internação, recebeu um fígado novo. “Eu marquei por telefone, cheguei e já fiz a cirurgia”, afirmou Ferreira, que veio de Barretos a São Paulo só para o procedimento. Naquele momento, o aposentado contou que o estado de saúde piorou e subiu na lista de casos graves, por isso conseguiu receber o órgão logo. “Talvez eu nem estivesse aqui para contar a história”.

Inaugurado em junho deste ano, o hospital é o primeiro público especializado em transplantes e conta com 153 leitos e 80 médicos. De acordo com o superintendente do complexo, mais de 20% dos transplantes hepáticos feitos no local são de pessoas de fora da cidade e de outros Estados.

Além dos pacientes com problema no fígado, o hospital realiza também transplantes de rim. “Temos um convênio com o Hospital do Rim, algumas pessoas da lista de lá fazem a cirurgia aqui”, explicou Becker. Segundo ele, nos casos renais, a lista funciona por ordem de inscrição e, enquanto isso, o paciente trata a doença fazendo sessões de hemodiálise três vezes por semana. O procedimento consiste em filtrar o sangue, trabalho que seria do rim. Diversas agulhas são colocadas no corpo, o sangue é retirado, filtrado por um aparelho e depois colocado de volta nos vasos sanguíneos.

Esse é um compromisso que a dona de casa Solange Aparecida Monteiro, 39 anos, não terá mais. Ela sofreu pré-eclampsia durante o parto de seu segundo filho. “Minha pressão chegou a 24 por 14”, conta. Ao longo de 10 anos, Solange não podia agendar nada às segundas, quartas e sextas-feiras, pois passava cerca de quatro horas no hospital fazendo hemodiálise. A rotina mudou, ela recebeu um rim. “Saindo daqui eu vou viajar para Bahia, ver meu irmão que não vejo há 10 anos e ficar com os meus filhos, que nem acreditam que tudo aquilo terminou. Não é fácil fazer hemodiálise, só sabe quem faz”, contou, comemorando a vida nova.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *