O vigia Evandro Bezzerra da Silva se negou nesta quinta-feira a confessar participação no assassinato da advogada Mércia Nakashima em troca de redução de uma a dois terços da pena mais proteção garantida pela Justiça. Antes de seu depoimento no Fórum de Guarulhos (SP), o Ministério Público fez uma proposta de delação premiada, que concede benefício ao acusado que colaborar durante a fase policial ou processual e identificar outros corréus em um crime.
O advogado de Evandro, José Carlos da Silva, afirmou que Evandro não poderia aceitar a proposta porque não é do “feitio” de seu cliente. “Ainda que para beneficiar-se”, disse. O vigia foi ouvido das 16h30 às 17h43.
Em frente ao juiz, ele disse que conhece Mizael Bispo de Souza, ex-namorado de Mércia e também suspeito do homicídio, há cerca de quatro anos e que os dois se falavam por telefone quase todos os dias, já que Mizael arranjou “bicos” de segurança em feiras para o vigia. Ele trabalhava nas feiras de Bonsucesso, Santos Dumont, Presidente Dutra, Lavras e Monte Alegre, na região metropolitana de São Paulo.
Em seu depoimento, o segurança disse que já estava com viagem marcada para Alagoas havia algum tempo e que passaria 20 dias na região para visitar a família. Evandro viajou no dia 12 de junho, um dia depois de o corpo de Mércia ser encontrado nas águas da represa de Nazaré Paulista. O vigia disse ainda que ficou sabendo da morte da advogada pela televisão e, também pela imprensa, que estava sendo procurado.
Evandro reafirma ter sido torturado
Em Canindé de São Francisco (SE), onde foi preso, Evandro negou ter participado do crime ou conhecer o autor. De acordo com ele, o depoimento foi colhido por dois delegados que guardaram o documento com o relato em um envelope escrito o nome do delegado Antonio Olim, que presidiu o inquérito policial.
Evandro foi então transferido para a delegacia de Aracaju, e o delegado Olim chegou ao local na tarde do dia seguinte. O vigia disse ter negado a Olim, em um primeiro momento, qualquer participação na morte de Mércia. “Ele perguntou se eu conhecia o Mizael e disse que tinha certeza que Mizael tinha matado, e não eu. Ele disse ‘você me ajuda, que eu ajudo você. Sei que você não matou, mas deve ter ajudado ou dado carona (a Mizael)'”, disse o vigia. Olim também teria dito ao segurança que queria “ferrar com o Mizael”. Esse depoimento, segundo Evandro, foi verbal e não teve registro.
Em seguida, segundo o suspeito, ele foi encaminhado a uma cela com mais cerca de 20 presos. “Me pegaram na cela e me levaram pelo corredor para uma sala onde estava o delegado de Canindé, o de Aracaju e mais quatro policiais”, afirmou. Evandro disse que teria se sentado em uma cadeira e que um delegado o pressionou para “colaborar”. “Aqui na nossa delegacia, ninguém fala o que quer. Fala o que a gente quer”, teria dito um dos homens, segundo o vigia.
O segurança disse que, com uma fita crepe na boca e uma sacola na cabeça, ele foi torturado até desmaiar e concordar em dizer “o que a polícia queria”. Ele então teria sido levado para uma sala, onde Olim, um escrivão e uma câmera o aguardavam. “Ele (Olim) me disse o que queria que eu falasse”, disse. Evandro disse que contou para o delegado sobre a tortura e que Olim teria respondido “você não tem nada, você está legal”. Evandro disse ainda ter sido pressionado no Departamento de Homicídios em São Paulo a manter o depoimento de Aracaju em que ele confessa participação.
Vigia entra em contradição
Em uma parte de seu depoimento hoje, Evandro entrou em contradição ao responder a questionamentos do promotor. Hoje, questionado sobre como saberia que havia uma viatura da Polícia Militar no caminho de Nazaré Paulista a Guarulhos, no dia do crime, se negou ter participado da execução, o segurança disse que Olim o mandou dizer isso enquanto os dois estavam no avião com destino a São Paulo.
O promotor perguntou diversas vezes em que momento Olim teria citado o fato da viatura e, todas as vezes, Evandro respondeu que havia sido dentro do avião. “O doutor mandou eu falar que passei pela barreira policial, baixei o vidro e falei ‘boa noite’ depois que eu busquei o Mizael”. O promotor rebateu então dizendo que, em Sergipe, no depoimento gravado a Olim, Evandro já havia citado o detalhe do carro policial.
Para um dos advogados de Mizael, Ivon Ribeiro, não houve contradição e o que aconteceu foi que Evandro teve “lapsos de memória”. Para ribeiro, os depoimentos dos dois suspeitos foram “harmoniosos” Ainda segundo ele, a ligação de Mizael no dia do crime, às 19h33, captada pela antena da região central de Guarulhos, é a “prova técnica” de que ele é inocente. Este seria o horário em que o carro de Mércia entrou na represa, segundo uma testemunha.
Dia do crime
Em 23 de maio, o vigia disse que deixou o posto de gasolina onde trabalhava por volta das 19h30, passou em casa e saiu com a namorada para a casa de um amigo no bairro Bom Clima, em Guarulhos. Ele teria saído do amigo e ido em uma pizzaria com a namorada, de onde disse ter saído às 20h40. Em seguida, ele teria passado na casa da ex-mulher e deixado uma pizza, e então seguido para a casa da namorada, onde dormiu.
No dia do crime, ele disse que falou com Mizael três vezes sobre trabalho e que, em todas as ligações, foi Mizael quem telefonou. Evandro afirmou ainda que Mizael não conhece Nazaré Paulista, e nunca foi à casa dos irmão de Evandro, moram próximo à represa.
Na saída do tribunal, o assistente de acusação, Alexandre de Sá, disse ter certeza do pronunciamento de Mizael e Evandro. Ele afirmou também que a contradição do vigia foi “o ponto alto do interrogatório”. “Evandro era um pau mandado de Mizael”, disse. Para Sá, o vigilante demonstrou conhecer bem o local onde Mércia e o carro foram jogados.
Após a audiência, o promotor Rodrigo Merli Antunes disse que a decisão do juiz sobre levar os dois a júri popular sai em 30 dias a contar a partir da próxima quarta-feira. Ele afirmou também que o Ministério Público vai pedir a prisão preventiva de ambos quando sair a decisão, que ele já conta como favorável à família de Mércia.
O caso
A advogada Mércia Nakashima, 28 anos, desapareceu no dia 23 de maio e foi encontrada morta no dia 11 de junho em Nazaré Paulista, no interior de São Paulo. Ela teria sido assassinada pelo ex-namorado e policial aposentado, Mizael Bispo de Souza, que não aceitaria o fim do relacionamento. Rastreamento de chamadas telefônicas feito pela polícia com autorização da Justiça colocariam os dois na cena do crime, de acordo com as investigações. Mizael e o vigia Evandro Bezzerra Silva são considerados pela Polícia Civil os principais suspeitos do crime. Eles negam as acusações.