No centro da maior cidade do País, um local se difere das construções modernas e do trânsito congestionado da metrópole paulistana. Na Vila Maria Zélia, no Belenzinho, região do Brás do centro de São Paulo, as 174 casas remetem a uma época que muitos só viram em filmes. A poucos metros da intensa agitação paulistana, quem entra na vila, após se identificar na cancela, encontra uma atmosfera de tranquilidade típica de cidade de interior. É como se estivesse ingressando em uma visita ao passado.
O bairro foi construído entre 1911 e 1916 pelo empresário Jorge Street, dono da Companhia Nacional de Tecidos de Juta, para ser local de moradia, lazer e serviços para os funcionários. Fundada como a primeira vila operária do Brasil, ela foi tombada como patrimônio cultural em 1985, mas sofre com a descaracterização arquitetônica e deterioração do tempo.
Nas ruas largas dos cerca de dez quarteirões as casinhas eram todas iguais, com portas marrons e paredes pintadas de amarelo escuro, segundo o morador Antônio Fantin Filho, 79 anos, que há 50 anos vive na Maria Zélia. Detalhista, ele descreve como as luzes nas ruas de terra davam a impressão de serem lampiões.
A realidade, porém, já não é mais a mesma. Com a falência da indústria nos anos 20, os prédios dos colégios e armazéns, que totalizam seis construções, foram apropriados pelo IAPI (atual INSS). As construções estão abandonadas desde então. Nas paredes já aparecem os tijolos gastos e árvores crescem dentro dos prédios.
A transformação da vila
Edílcio Pereira Pinto, conhecido na vila como Dedé, compartilha histórias de três gerações na Vila Maria Zélia. “Meu avô foi funcionário do senhor Street, ele chegou aqui em 1919”, disse. Ele mora há 61 anos no local e acompanhou o fechamento das portas da farmácia, da barbearia, da sorveteria, do restaurante dos solteiros, dos colégios de meninos e meninas e do salão de baile, onde ele fez sua festa de casamento.
“Aqui era uma minicidade, tinha dois campos de futebol e até um prefeito”, diz. O campo de futebol deixou de existir. Caminhando pelas ruas, quase não se vê casas sem modificações. Dedé, que luta pela revitalização do patrimônio histórico, conta como começou a descaracterização: a partir de 1967, os moradores que tinham dinheiro reformaram as casas e a “cara” da vila se perdeu. Para ele, o problema foi o tombamento tardio, cujo processo teve início apenas em 1985.
De acordo com o INSS, foi assinado um contrato com a prefeitura em 25 de agosto de 2006 e “o convênio permite a utilização dos imóveis da Vila Maria Zélia pela prefeitura mediante contrapartida ao INSS, sendo um dos itens a restauração das construções e a preservação do acervo histórico”. O termo vence em 2011 e, até agora, os prédios não passaram por qualquer revitalização, segundo Dedé. Apenas em um deles recebeu telhado.
“O primeiro beijo que eu dei na minha esposa foi aí atrás daquela árvore”, disse Milton Pimentel, 83 anos. Aos 14 anos, conhecido na época como Miltinho Sombra, ele “cabulava aulas para brincar com o pessoal da vila”, já que não morava lá. Receptivo, Pimentel foi logo mostrando as fotos da infância vivida no vilarejo. Partidas de futebol, reunião de amigos, banhos no córrego do rio Tietê são momentos que ele diz sentir saudades.
Depois da fase namoradeira, em que beijava meninas às escondidas, foi com Rosa Maria Galardo que se casou, aos 24 anos. A festa aconteceu no salão de bailes da Vila Maria Zélia – mesmo local escolhido por Dedé para celebrar seu casamento.
Revitalização
Segundo o INSS, em fevereiro de 2010, o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (Ceeteps), autarquia especial do Governo do Estado de São Paulo, enviou um ofício manifestando interesse em comprar pelo valor de mercado os seis imóveis. O INSS é a favor do acordo, porém, para isso, é necessário o cancelamento do contrato com a prefeitura. A Prefeitura de São Paulo elaborou um documento que está sendo analisado pela Direção Geral do INSS.
De acordo com a assessoria do Centro Paula Souza, a instituição aguarda a posição do órgão com avaliação de engenharia e confirmação do valor da venda.
Para o prédio do antigo restaurante dos solteiros, a proposta da Secretaria Municipal de Cultura é que o Centro Paula Souza ceda o local para a instalação de um Centro de Residência de Teatro.
Enquanto nada é feito para conservar a vila, a Sociedade Amigos da Vila Maria Zélia busca mais rapidez junto à prefeitura e desenvolve projetos para proporcionar entretenimento aos moradores. Uma quadra de futebol, local para jogo de bocha e festa junina são mantidas pela organização, de acordo com o presidente da Sociedade, Paulo Salomão.
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