Carro na porta com motorista, stylist, montagem da própria agenda e o glamour de ser chamada pelo nome por qualquer desconhecido. Talvez daqui alguns meses, um ou dois anos, mas até lá, Letícia Klein, 16 anos, ou simplesmente “Leti” – como é chamada pelos amigos – vai pegar ônibus e metrô, dormir em beliche em um alojamento com mais 11 meninas, pedir dinheiro aos pais para o custo de vida, ter que se apresentar quando chegar aos castings e lidar com a taxação: “está começando agora?”. Sim, Leti é uma new face – termo usado pelos profissionais do mundo da moda para as novas apostas – e está há apenas dois meses em São Paulo. Esta semana será a primeira temporada dela no SPFW e o Terra acompanhou de perto um dia da rotina da modelo.
Loura, olhos verdes, 1,78 m de altura, um mulherão por fora, mas uma menina doce e tímida por dentro. Assim Leti recebeu a equipe do Terra por volta das 11h no alojamento onde mora, nos Jardins, localizado exatamente ao lado da agência. Ela já estava pronta para o primeiro casting, marcado para as 12h, com sainha de couro e blusinha preta, look escolhido pelo booker e “guardião” – como ele se autodenomina –, Jocler Turmina. Apesar das pernas longas de fora e toda a beleza da modelo que é a “aposta da agência”, segundo Jocler, nas três quadras até o ponto de ônibus Leti não atraiu muitos olhares. “Quando estamos em várias meninas às vezes mexem. Chamam de lindas, de magrelas ou perna de pau”, contou.
Mas enquanto o público faz algumas críticas ao tipo físico da modelo, especialistas no mercado fashion acreditam que as pernas finas, longas e proporcionais, o quadril estreito de 87 cm e os braços longos e finos formam uma “proporção perfeita”. “Ela tem uma beleza clássica. Não posso dizer que será a nova Gisele (Bündchen), mas é uma modelo que vai estourar no mundo inteiro”, disse Jocler, que trabalha na área há mais de uma década. O booker acompanha a new face, mas é ela, com ajuda do GPS do celular, que descobre como chegar aos endereços dos testes.
Apesar de estar há dois meses em São Paulo, Leto não hesita e é quem orienta qual ônibus pegar, onde descer e o resto do caminho. Para quem morou em uma cidade com cerca de 7 mil habitantes – ela é de Campina das Missões, no Rio Grande do Sul -, a mudança para São Paulo foi contrastante: “não conheço tudo, mas consigo me virar com o celular”. Além disso, teve que deixar pai, mãe, irmão caçula e os “queridos” Dodó e Simon, um pinscher e um vira-lata. Ela foi descoberta em um concurso de beleza no Rio Grande do Sul, ficou em segundo lugar e foi convidada – junto com uma das melhores amigas, a Natalia Luft – pela agência Joy para se mudar para São Paulo e tentar a carreira na moda.
O “tentar” é porque no início nada é certo, as modelos não recebem dinheiro suficiente para se sustentar, vivem em condições pouco confortáveis e adiam, por vezes, os estudos – como Leti, que ainda precisa concluir o terceiro ano do Ensino Médio. Segundo Jocler, quando a modelo começa na agência, é oferecido moradia, acesso à academia, nutricionista e consultas quinzenais com psicólogo. É pedido um valor de cerca de R$ 100 semanais para os gastos com transporte e alimentação, acrescentou o profissional. “Elas demoram cerca de seis meses para conseguir independência financeira, então, alugam um flat e saem do alojamento”, contou o booker.
Pelo caminho que Leti está seguindo, talvez o objetivo chegue antes do estimado, já que ela está com participação confirmada no SPFW e viaja em janeiro para uma temporada em Nova York. Na última terça-feira, a agenda de testes da modelo estava tão agitada que ela teve que dispensar alguns. O primeiro do dia foi da Carina Duek, o ônibus demorou um pouco a passar, mas ela chegou sem atraso, mesmo com a parada para colocar o sapato de salto que estava na bolsa. No casting, Leti tirou medidas do busto, cintura e quadril e desfilou com um vestido preto de mangas rendadas para o cliente.
Dez minutos depois ela estava de volta à recepção: “fiquei um pouco nervosa, mas estou confiante”. Nesse meio tempo, surgiram dois novos testes, da Iódice e de O Boticário. Na agenda de Leti já estavam Tufi Duek e uma agência do Japão. Ela teria que cruzar a cidade de leste a oeste para cumprir todos os compromissos. Da rua Teodoro Sampaio, seguimos até a rua da Mata, no Itaim. Leti teve 30 minutos para almoçar antes de seguir para o segundo compromisso do dia: casting para o look book – uma espécie de catálogos – da Iódice, na Vila Leopoldina.
A passada na agência para encontrar o booker Elcio Melo – que acompanharia os testes da tarde – deu oportunidade para a modelo se apresentar a um integrante de uma agência de Miami e Nova York. A entrevista foi em inglês e Leti olhava confusa a cada pergunta das duas mulheres norte-americanas, esperando tradução. A resposta, mesmo que simples e com alguns errinhos, ela deu em inglês. Posou para fotos de frente e perfil, gravou um vídeo com informações básicas e seguiu para a zona oeste. Mais uma vez o teste foi rápido: Leti posou para um fotógrafo vestindo calça estampada e blusa listrada. Cerca de 15 minutos depois, ela já estava pronta para o casting mais importante do dia e que definiria a participação no desfile da Tufi Duek no SPFW.
Nas últimas semanas, Leti passou pelo teste da Forum e da Amapô, mesmo assim, não escondeu o nervosismo e medo de não conseguir chegar ao teste, na Mooca, a mais de 20 quilômetros dali. Cerca de 40 minutos depois, Leti chegou ao endereço. Lá estavam várias “colegas de testes” dela, todas aguardando para a avaliação em uma sala em que apenas as modelos tinham acesso. “Amarrei o cabelo e desfilei, foi bem tranquilo, acho que fui bem”, contou. Já eram quase 17h, horário limite para o casting da marca O Boticário e Leti teve que correr para chegar ao local, no Itaim Bibi. “Eu vim para o teste de O Boticário”, disse Leticia ao chegar à casa onde aconteceria a seleção. Mas era tarde demais, o relógio já marcava 17h30. “Droga, que pena”, lamentou.
Retornamos à agência para Leti fazer “polas” – termo usado para fotos instantâneas – e lá estava um agenciador da Alemanha. Ela conseguiu participar do teste, novamente, em inglês. Respondeu perguntas sobre informações pessoais, tirou fotos e apresentou o composite – material fotográfico. Depois da “maratona” por São Paulo, Leti aproveitou para tomar tereré com as amigas, antes da clássica – segundo ela, diária – caminhada no Parque do Ibirapuera.
Dia a dia de uma new face
A rotina de Letícia não costuma ser muito diferente do que a da última terça-feira. Ela acorda por volta das 8h ou antes, quando tem testes. No dia anterior, Jocler escolhe o look que a modelo irá usar de acordo com o cliente. “Alguns gostam de pernas longas, então escolho uma saia, por exemplo. Mas a roupa é sempre preta para não chamar mais atenção do que a modelo”, explicou ele. O branco acaba aumentando as formas do corpo, então, ele evita. “Só passo pó, rímel e gloss, tem que ir de cara mais limpa”, contou Leti sobre a make. Para os testes, enquanto new face, ela vai sempre de ônibus, até receber cachês que paguem um motorista particular, disse o booker.
Às terças-feiras, a equipe da agência tira as medidas de todas as new faces e um centímetro a mais pode implicar em “puxão de orelha”. Por isso, alimentação leve é fundamental. Quando soube que ia morar sozinha, Leti aprendeu algumas receitas com a mãe e hoje prepara filé de frango, arroz e saladas. “Sinto falta do churrasco do meu pai, do arroz de carreteiro e da feijoada”, disse ela. Na cozinha, ela também tem ajuda da “tia Maria”, Maria Dajuda, faxineira há mais de 10 anos do alojamento: “ela é como uma mãe para a gente, ensina o que não sabemos, me ensinou a fazer feijão”, contou.
A estreia no SPFW É a primeira temporada de Letícia na quinta semana de moda mais importante do mundo e ela ainda não sabe quais marcas a chamarão para desfilar, mas está esperançosa: “quero pegar todos os desfiles”, disse. “Meu sonho é desfilar para a Colcci e Chanel”, continuou. A 36ª edição contará com Gisele Bündchen e Candice Swanepoel, duas inspirações para Leti. Mas, a aposta de Jocler é uma semana de moda com new faces: “Com o salário de uma mais top como a Mariana Coldebella, dá para levar cinco new faces”, justificou. E é o caminho que Leti quer seguir: “desejo me tornar uma top”, concluiu.