“Choramos juntos, ele foi um companheirão. Nosso casamento teve um reforço no amor e na confiança um no outro. Na verdade, ele foi meu super-herói”. A jornalista Daniela Milidiu, 47 anos, ainda se emociona ao lembrar-se de tudo que enfrentou para se curar do câncer de mama. O herói citado por ela é o marido, Felipe Centeno, 50 anos. Daniela demorou meses para ser diagnosticada, mesmo suspeitando de que havia algo de errado com o seio. “Tirei a mama toda, fiz quimioterapia por nove meses e radioterapia”, contou. Do momento do diagnóstico até o final do tratamento, o marido permaneceu ao lado dela. Casos de apoio, como o retratado pelo casal Michel (Caio Castro) e Sílvia (Carol Castro) em Amor à Vida, são cada vez mais comuns.“
As chances de cura aumentaram. Quando o câncer era mais associado à morte, o abandono era maior. Como hoje temos tratamentos mais eficientes, é mais raro abandonar”, disse o presidente do Conselho Técnido Científico da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), Ricardo Caponero. Poder corrigir com mais facilidade a mutilação sofrida com a mastectomia é outro fator impactante, disse o diretor do Centro Oncológico de Niterói, Mixel Tenembaum. Os procedimentos, “principalmente os feitos com planos de saúde particulares, já permitem que, junto com o mastologista, haja um profissional para fazer a correção da parte estética”, relatou.A falta da mama pode gerar vergonha do companheiro na mulher, comprometer a vida íntima e culminar na separação, acrescentou Tenembaum. Para o oncologista da Oncomed de Belo Horizonte, Ellias Magalhães, a reação do marido é influenciada também pelo nível sociocultural e pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) apresentam mais casos de abandono pelo cônjuge do que os particulares. “Ouvi relatos pesados de maridos que disseram ‘olha, eu não sou para ter mulher aleijada, com um seio só, não dou conta disso’. Outros arrumaram amantes”, contou Daniela.
Os relatos de Daniela são exemplos dos casos mais frequentes, segundo Magalhães, pois estão ligados à feminilidade da mulher. “Tanto a queda do cabelo como a retirada da mama afeta a estética feminina”, disse o oncologista, e alguns homens não conseguem lidar com a mudança. O problema, para Caponero, é enxergar a companheira como mulher e não como um par de seios, pois não é a falta de uma mama que vai acabar com a sexualidade do casal. A questão, segundo o oncologista, é psicológica, como contou Daniela. “Eu não me sentia à vontade pelada, mas achamos maneiras de não colocar tanto peso na aparência. Vi que não era só a minha forma que atraía o meu marido, mas meu conteúdo”, disse ela.
Ana Carolina Calabro Queiroga, 37 anos, descobriu o câncer na mama em 2011, fez 16 sessões de quimioterapia, 28 de radioterapia e faz a manutenção com comprimidos para evitar o retorno da doença. Um dos medos que ela sentiu ao ser diagnosticada foi se o marido iria apoiá-la, se iria ficar com ela. “Ele não me deixou nem um minuto”, contou. “Foi ele que raspou a minha cabeça. Me colocou no colo, forrou toalhinha, foi fazendo carinho na minha cabeça e passando a máquina. Fiquei com medo de ele me achar horrorosa, mas ele continuou me achando linda, mesmo com tudo”, relatou. “A gente fica com vergonha. Até para ter relação, mas depois ele me deixou tão à vontade, me elogiava tanto, que eu comecei a me sentir linda careca.”
O apoio e companheirismo à mulher com câncer de mama só pode ser explicado pelo “amor acima de qualquer coisa”, disse Centeno. “A mulher ter que operar e ficar sem o seio choca, mas isso fica de lado”, acrescentou ele, que jamais pensou em ficar longe de Daniela por causa da doença. Para ele, a perda da feminilidade não justifica o abandono, mas a fraqueza e “uma personalidade muito machista” é que ainda fazem homens fugir da situação.
Homens frágeis demais
Quando um membro da família adoece, de acordo com a psicóloga da Oncoclínica, Milena Gama, os outros também são envolvidos por uma série de sentimentos. Por vezes, até os maridos necessitam de acompanhamento psicológico, pois lidam com os sentimentos da paciente mais a sensação de impotência diante do problema, disse ela. Milena já atendeu um caso em que a mulher estava lidando melhor com a doença do que o marido, que chegou a sentir até efeitos colaterais da quimioterapia. “O apoio depende da relação entre o casal antes da doença, da estrutura psíquica e estado emocional em que o marido se encontra”, afirmou.
Milena afirmou que existem diversas formas de apoiar a companheira durante o tratamento, seja com carinho, palavras, abraços ou atitudes. “Os homens, quando sentem dificuldade de ajudar a esposa quanto a lidar com os sentimentos, se focam mais em questões práticas da casa e do cotidiano que precisam ser resolvidas. Se dedicam a assumir tarefas que a esposa desempenhava”, disse Milena. Ajuda no controle do medicamento também entra na lista, disse o coordenador do serviço de psicologia hospitalar do Icesp, Lorgio Henrique Diaz Rodriguez. Vicenza Queirós de Araújo teve câncer em 2010, tirou toda a mama e parte da axila. Durante o tratamento, contou com o marido para os curativos, para preparar o almoço, jantar e cuidar da casa, mas, principalmente, com o suporte emocional. “Hoje a gente já briga, mas na época ele foi 100%”, brincou.
“Que profissional da saúde vai dar o afeto que um marido ou filho pode dar?” questionou Rodriguez. “Sem o apoio do meu marido e da minha família eu já tinha morrido”, disse Sônia Bassani, 62 anos, que descobriu o câncer na mama quando o tumor já estava do “tamanho de um pêssego” e em menos de um ano foi diagnosticada com câncer na língua. “Uma pessoa sozinha não pode suportar”, acrescentou Vicenza, dona do blog para o apoio às mulheres. Os depoimentos de Vicenza e Sônia são comprovados até nos resultados do tratamento: a maioria das pacientes que está bem emocionalmente apresenta imunidade mais preservada, afirmou Milena.
O papel da família
Quando descoberto e tratado no estágio mais precoce, o índice de cura do câncer de mama pode chegar a 90%, segundo Magalhães. Um dos quesitos para que isso aconteça é o apoio familiar, pois é comum a negação à doença e o desejo de desistir do tratamento quando o paciente não está acompanhado de familiar, disse. “Sem o apoio do marido é muito difícil suportar, acontece uma deterioração emocional e depressão”, acrescentou o oncologista. Rodriguez explicou que é um mecanismo de defesa, para amortecer a angústia causada pelo diagnóstico associado à morte.
“A mulher começa a ter muitas perdas. De saúde, atividades do cotidiano, amigos, financeira, na habilidade de falar e andar, e até da sexualidade”, enumerou o psicólogo. Com o abandono do cônjuge, ela se sente ainda mais vulnerável, continuou Milena. “Uma ruptura sem a presença de uma doença já é difícil, perante o adoecimento devido à fragilidade emocional a vivência se torna ainda mais intensa”, completou a psicóloga.