O uso de corrente elétrica para tratar Paloma de ‘Amor à Vida’ é comum em hospitais psiquiátricos, mas procedimento é feito com anestesia
Os últimos capítulos da novela Amor à Vida trouxeram de volta um antigo método de tratamento para pacientes psiquiátricos com o uso de correntes elétricas. Na trama, a personagem Paloma (Paolla Oliveira) é submetida à eletroconvulsoterapia; segurada por funcionários da clínica psiquiátrica onde está internada, ela se debate, grita e desmaia após a sessão de choque. A cena repercutiu de forma negativa nas redes sociais, no entanto, apesar de impressionar os telespectadores, o tratamento não só é legal, como é amplamente utilizado, segundo psiquiatras entrevistados pelo Terra.
“A técnica é bastante aplicada, mas existe diferença entre o método antigo e o moderno. Hoje em dia a eletroconvulsoterapia é feita com anestesia geral, então, é visualmente menos dramática”, afirmou o psiquiatra forense Guido Palomba. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Hospital Universitário na Ilha do Fundão e o Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), na praia Vermelha, utilizam a eletroconvulsoterapia em determinados pacientes, citou o coordenador da Neurofocus Psicoterapias e e psiquiatra do Instituto Philippe Pinel, do SUS, João Paulo Lyra da Silva.
As “sessões de choque” nada se assemelham ao que vive o personagem Randle (Jack Nicholson) no filme Um Estranho no Ninho ou até mesmo ao que foi exibido em Amor à Vida, afirmou Silva. “A eletroconvulsoterapia mudou completamente nos últimos 25 anos, passou por uma série de normatizações sobre a forma de aplicação e controle”, disse o psiquiatra. Ele informou que, sobre a antiga manipulação do tratamento, foram feitos aprimoramentos na emissão da corrente elétrica. “Atualmente, liberam-se as ondas de acordo com o sinal fisiológico do paciente, que está monitorizado e anestesiado”, comparou.
O eletrochoque funciona como um “reset” em todas as funções cerebrais, descreveu o neurologista e professor da Faculdade de Medicina de Petrópolis, Marcus Vinícius Minucci. O tratamento, “quando bem indicado e aplicado” é eficaz, segundo Palomba. Para ele, “existem dois diagnósticos que cabem receber a eletroconvulsoterapia: a depressão endógena grave, que não teve respostas a outros tratamentos e apresenta risco de suicídio; e a esquizofrenia do tipo catatônica”, definiu o psiquiatra.
O número de sessões é determinado de acordo com a condição do paciente e, mesmo com a evolução dos aparelhos, elas ainda provocam déficit cognitivo temporário, como perda de memória, que é reestabelecida com o tempo, disse Silva. Para Palomba, os efeitos colaterais são mínimos perto dos resultados no combate à doença, quando, é claro, a técnica é aplicada corretamente. O problema, segundo o psiquiatra, são os diagnósticos mal feitos que culminam no encaminhamento indevido de pessoas às sessões de eletrochoque.
Erros de diagnóstico
Na década de 1920, os hospitais psiquiátricos serviam como “depósito” não só de doentes psiquiátricos, como também das pessoas renegadas pela sociedade, por exemplo, mendigos, ciganos, prostitutas, além dos indivíduos com retardo mental e até com sequelas de meningite, “todos colocados no mesmo saco”, afirmou Minucci. Estes pacientes passavam por diversos tratamentos, desde o eletrochoque até um “choque insulínico” – diminuição da quantidade de insulina no organismo para induzir o coma -, e a lobotomia – separação do lombo frontal, responsável pelas tomadas de inciativa, do restante do cérebro, explicou o neurologista.A psiquiatria perdeu o caráter moralista e, atualmente, os hospitais tratam principalmente de casos de esquizofrenia e psicose, disse Minucci. Apesar de as internações passarem a acontecer com base em condições fisiológicas, na opinião de Palomba, ainda existe um buraco na precisão dos diagnósticos psiquiátricos. Segundo ele, os médicos deixaram de investigar sintomas e tratados dos “antigos pensadores” para se basearem na Classificação Internacional de Doenças. “A CID nivelou tudo por baixo. Alguém com psicose maníaco depressiva pode ser classificado junto a um depressivo porque perdeu o cachorro”, criticou. “Os médicos receitam antidepressivos para emagrecer, engordar e até para parar de fumar”, acrescentou Palomba.
Os medicamentos, porém, podem ter efeitos colaterais e ainda causarem dependência. A descoberta de remédios mais efetivos para transtornos psiquiátricos na década de 1950, em parte, foi o que possibilitou a revisão de tratamentos mais agressivos, considerou Silva. Medicamentos que bloqueiam a dopamina ou estimulam a produção de serotonina passaram a ser usados em pacientes com esquizofrenia ou depressão, contou Menucci. E a tecnologia permitiu a diminuição nos efeitos: “a ideia de paciente psiquiátrico sedado, hoje em dia, não é a imagem mais comum”, concluiu Silva.