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Eles não têm o perfil do boneco Ken da Barbie, tampouco as características de um galã de novela, mas carisma e humor, sem dúvida, não faltam na lista de atributos desses novos rostos na mídia. Se há mais de 30 anos o ator Carlos Moreno já conquistou o público fazendo comerciais da palha de aço Bombril com graça e simpatia, hoje o perfil do ator está cada vez mais presente nas campanhas publicitárias. “Sei que não sou o tipo ‘galazão’, mas acho que aquele modelo bonitão já está perdendo a graça”, disse o ator João Côrtes.
Talvez a relação do nome à pessoa não seja instantânea, mas basta lembrar o jovem ruivo que fica “ligando e ligando” até conseguir falar com a atriz Grazi Massafera, de quem é fã, na propaganda da Vivo. “Valeu mais o perfil engraçado, que tem cara de bobo, o moleque com cara de maluco que aparece ligando para um ídolo do que o bonitão”, contou Côrtes sobre o trabalho. Para a campanha, a empresa buscava um ator na faixa dos 25 anos e mais sério, disse Côrtes, que tem 18. “Cheguei ao teste e fiz umas palhaçadas que eles adoraram. Um moleque com cara de bobão que idolatra a Grazi ficou mais engraçado”, acrescentou.
Côrtes está correto na observação. Segundo o booker Dimitry Rodrigues, da Nany Azevedo Casting, “a publicidade está buscando perfis cada vez mais reais” nas agências. A tendência é global, para o diretor da agência britânica especializada em modelos e atores “fora dos padrões de beleza” Ugly Models, Marc French. “O mundo está cansado de olhar para o mesmo tipo – alto, com estrutura óssea perfeita e cabelos impecáveis – e agora as empresas estão procurando rostos mais interessantes para as campanhas, com uma representação real da sociedade”, afirmou. A Ugly Models existe desde 1969, mas foi nos últimos anos que French observou procura maior por pessoas “de beleza não convencional”.
Foram as características distintas que colocaram Alessandro Delarissa, 28 anos, na carreira de ator. Ruivo natural e com sardas, ele estava com o cabelo comprido, até a cintura, quando recebeu o cartão da agência Nany Azevedo Casting de uma backing vocal durante um show de reggae. “Tirei algumas fotos e começaram a me mandar para testes”, contou. Dez anos depois, Delarrisa estreou em papel de destaque na propaganda da OLX, e o tom como pronuncia o nome da cantora Preta Gil, que também atua na campanha, virou praticamente um meme. “Sempre me pedem para imitar”, disse.
“O novo conceito de publicidade que está entrando me favorece, não me acho um cara bonitão, sou diferente por ser ruivo e ter uma cara engraçada”, afirmou. Para Delarissa, as propagandas estão exigindo cada vez mais do ator, com “roteiros que criam piadas sutis” e dão mais destaque à interpretação. É o caso do londrinense Wellington Rossini, 27 anos: ele criou um personagem de tanto sucesso para a série de comerciais da escola de inglês Open English, que ficou difícil sair pela Vila Madalena, bairro onde mora, sem ser parado por algum pedido para imitar o estudante de inglês.
“Não esperava a repercussão, mas o personagem cativou desde criancinha, até mãe, pai e avô. Tem gente que vem falar em inglês comigo, quando eu respondo a pessoa questiona ‘você sabe falar?’ (risos). Pensam que eu sou o personagem”, contou. “The book is on the table” e “teacher” viraram memes para as pessoas ao se referirem à propaganda. Até os cabelos cacheados Rossini teve que cortar para fazer testes de novos trabalhos sem ouvir o comentário “é o rapaz do curso de inglês”. O sucesso, na opinião do ator, vem da tendência da inserção de cada vez mais humor nas campanhas publicitárias.
Nos bastidores
O Terra recebeu o trio para uma sessão de fotos especial. Rossini chegou quase irreconhecível – como era a intenção dele – sem os cachos e bem mais sério do que o jovem que tira sarro do “cursinho on-line” do amigo. Ao encontrar Côrtes, os dois ficaram em êxtase e a troca de elogios entre os atores começou. Como o próprio londrinense se definiu, ele é “ativo e fala pelos cotovelos”. “Quando eu chego a Londrina, minha mãe já diz ‘chegou a torcida’”, contou. E na visita ao Terra não foi diferente. O “menino da Grazi”, como muitas vezes é chamado pelos fãs, mostrou seu arsenal para fazer pessoas rirem, entre piadas, tiradas e caretas. “Tem gente que diz que eu pareço a Lindsay Lohan”, falou.
O reencontro de Delarissa com Côrtes – eles interpretaram irmãos no filme Colegas – serviu para enumerar nomeações que já receberam devido ao cabelo vermelho. “Cabeça de fósforo, ferrugem, água de salsicha, Curupira, arroto de Fanta e Pica-Pau”, contaram. “Mas ser ruivo está na moda (risos)”, disse Delarissa. Apesar de fazer humor, o garoto-propaganda da OLX disse que a falta de habilidade em contar piadas é motivo de bullying por parte dos amigos e da mulher. Mas, para ele, são as pessoas que não entendem a “fórmula diferente” que ele tem para provocar o riso: “gosto de tiradinhas, de falar algo bobo para ver a reação”.
Carreira e trabalhos
French é diretor da maior agência de modelos com perfis fora dos padrões de beleza, com mais de 1 mil agenciados. Os trabalhos têm cada vez mais procura e, segundo o diretor, os cachês podem ser iguais ou maiores do que os pagos aos “galãs de novela”. Côrtes, Rossini e Delarissa estão investindo na carreira. Com contrato de exclusividade da Vivo, Côrtes está estudando teatro e gravou cenas para o filme Lascados. Já Rossini, um “cinéfilo nerd”, como diz, está imerso em um curso de interpretação para cinema: “quero ficar meses gravando um filme, pegar um personagem e passar pela vida dele”.
Delarissa está cursando artes cênicas e seu objetivo é atuar em séries de TV. “Estudo para fazer de tudo, ser um ator versátil, mas confesso gostar do humor”, contou. A instrução é peça fundamental e o trio está no caminho certo, segundo o ator que revolucionou os comerciais de varejo com o bordão “quer pagar quanto?”, Fabiano Augusto Pinto. Aos 38 anos, há 30 ele está no teatro e já é garoto-propaganda das Casas Bahia desde 2001, contrato que terá “vida longa”, segundo ele. “São anos de batalha, tudo começa na agência, depende de o pessoal gostar de você e mandá-lo para os testes”, contou.
Augusto Pinto disse que hoje em dia “não se acredita só na beleza e o bom ator, mesmo que não seja lindo, pode passar credibilidade. Isso é bom para todo mundo”. Nos comerciais, para o ator, a fórmula engraçada funciona bem, pois consegue manter a pessoa em frente à TV. “Ninguém escolhe assistir a um comercial, está na grade da programação. Você invade as casas das pessoas, tem que segurá-las ali e dar conta do recado em 30 segundos. É muito difícil”, disse.