A blogueira cubana Yoani Sanchez defendeu nesta quinta-feira, durante entrevista à imprensa em São Paulo, o estreitamento de laços com os Estados Unidos para uma “nova Cuba” e descartou possível dominação norte-americana sobre o país. “Não acho que seja tão fácil chegar e inundar Cuba. Temos uma cultura, linha de pensamento e identidade bem definida que é um bom antídoto para toda ingerência excessiva. Temor de que Cuba perca a soberania, não tenho”, argumentou.
Questionada sobre a política de relações exteriores dos Estados Unidos, Yoani se isentou de análise e disse não ser “especialista no assunto”, mas ressaltou a importância de aproximação de Cuba com o país e nações da América Latina pela “proximidade geográfica e necessidade deste vínculo”. Ela também se posicionou contra o embargo dos EUA ao país. Cuba passa por uma reforma que permitiu a primeira viagem internacional de Yoani, após anos de negações. Ela chega aos EUA no final de março para dar conferências e visitar a irmã.
Yoani negou as acusações de que teria ligação com a CIA ou Estados Unidos, incitadas após publicação de um documento pelo Wikileaks em que ela trocava mensagens com o governo norte-americano. “Não há documento que me ligue à CIA, é totalmente falso”, disse ela. O fato está entre as frases de protestos dos brasileiros contra a blogueira nos últimos dias. “O impedimento da transmissão de um filme me surpreendeu”, comentou.
O show de Fidel e o silêncio de Raul
Após definir o governo cubano como “capitalismo de Estado, em que o patrão é o governo”, Yoani comparou a gestão de Fidel Castro, com a atual de Raul: “a repressão antes era como um show, as pessoas tinham que ver. A repressão de Raul Castro, as pessoas não veem”, disse. Ela criticou a transferência de poder genealógica o que denominou como “reino”.
A esperança da blogueira por uma nova Cuba não é com Raul à frente do país, mas uma mudança no interior dos cubanos, combinação de insatisfação popular e perda de poder político do líder. “Algo como isso não se pode prolongar mais”, exemplificou. “Mas não gostaria de um golpe de Estado”, acrescentou.
Brasil “mais enérgico”
Yoani reconheceu a aproximação brasileira nas gestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da atual Dilma Rousseff, mas cobrou ação mais incisiva: “recomendaria um posicionamento mais enérgico do Brasil em relação a Cuba”, disse ela e citou a quebra dos direitos humanos como um dos pontos importantes, que por vezes fica ofuscado pelos debates sobre o embargo.
Ela chamou a atenção para a restrição ao uso da internet: “as cifras oficiais dizem que mais de 20% da população têm acesso à internet. Mas contam com as pessoas que acessam a intranet que é limitada a algumas páginas. O certo é que se estima que somente 3% das pessoas têm acesso real à internet”, criticou.
Amiga pessoal de Eduardo Suplicy, presente durante o evento desta quinta-feira, ela contou que o político a apoiou no processo de saída do país e na vinda ao Brasil. “Falamos muito, discordamos em muitos pontos, mas ele respeita os meus e eu sei viver com diferenças”, comentou. Ela elogiou o programa Bolsa-Família e disse que poderia ser implantado em Cuba, após a “reforma”.
Se pudesse escolher outro país para nascer, seria o México, mas também seria feliz no Brasil, afirmou. No entanto, a chegada de Yoani causou protestos por onde ela passou. Sobre a repercussão de sua viagem ela justificou: “é o preço da opinião, o preço do silêncio é que eu não gosto”. “Precisamos aprender a discutir sem odiarmos, a democracia é aprender a reconhecer opiniões diferentes”, complementou. A blogueira que tinha cerca de 300 mil seguidores no Twitter, ganhou mais de 100 mil novos usuários desde que chegou ao País.
Yoani pelo Braisl
A cubana desembarcou no aeroporto do Recife na segunda-feira (18), onde foi recebida com protestos e acusações de que seria uma espiã dos Estados Unidos. Mas as críticas e até o puxão no cabelo que levou provocaram comentários positivos em seu blog: “gostei muito, confesso, porque me permitiu dizer que eu sonhava que algum dia em meu país as pessoas pudessem se expressar publicamente assim contra algo, sem represálias”.
No mesmo dia, Yoani seguiu para Feira de Santana, no interior da Bahia, onde assistiria o documentário Conexão Cuba-Honduras, mas a exibição foi cancelada após manifestantes a favor do regime cubano cercarem a sala. O ocorrido motivou um post de críticas no blog Generacion Y, em que Yoani conta sobre os protestos que já acompanhou e se mostra inconformada com a atitude dos manifestantes baianos. Ela reprovou as críticas pessoais e a falta de argumentação sobre a situação de Cuba.
“Ao final da noite, me sentia como depois de uma batalha conta os demônios do mesmo “Ao final da noite me sentia como depois de uma batalha contra os demônios do mesmo extremismo que atiçou os atos de repúdio daquele ano de 80 em Cuba. A diferença é que esta vez eu conhecia o mecanismo que fomenta estas atitudes, e podia ver o longo braço que os move desde a Praça da Revolução em Havana”, escreveu.
Após a confusão o deputado federal Otávio Leite (PSDB-RJ) convidou a dissidente a assistir ao documentário em Brasília. A recepção à Yoani na Câmara dos Deputados na quarta-feira não foi diferente das anteriores e mais uma vez ela ouviu vaias de líderes de esquerda e movimentos sociais. No entanto, conseguiu assistir ao filme.