A moda está longe de ser linear, as tendências surgem, desaparecem e ressurgem de acordo com o contexto social, histórico e comportamental de cada época. Com a lingerie feminina não foi diferente. As vestimentas se adequaram, ao longo da história, à necessidade das mulheres. Quando a moda ditava seios pequenos, as bandagens cuidavam de pressioná-los, quando a cintura precisava ser fina, os espartilhos faziam o trabalho de espremer as costelas e afinar a silhueta. E para quem tem horror a uma barriguinha, saiba que ela também já esteve na moda. “Na Idade Média, as mulheres usavam enchimento por baixo das roupas para manter o ventre saliente e arredondado”, lembra a professora de moda do Senac, Débora Caramaschi.
A história da lingerie se confunde com a da roupa íntima feminina. Segundo Débora, o primeiro registro de preocupação da mulher em cobrir o seio acontece entre os séculos 3 e 4 antes de Cristo, quando elas usam tecidos em forma de bandagem e túnicas até os tornozelos. A coordenadora do curso de design de moda da Faculdade Belas Artes, Valeska Nakad, afirma que na civilização de Creta, na Grécia, por volta de 2.000 e 1.400 a.C apareceu um corpete simples que projetava os seios. “Era inspirado no ideal de beleza feminino da época, a Deusa das Serpentes”, disse.
Na Idade Média, entre os séculos 5 e 15, surgiu a cota, uma túnica com cordões, considerada o ancestral do corset, disse Valeska. Segundo a coordenadora, também existia um corpete que era amarrado nas laterais ou nas costas e costurado à saia, conhecido como bliaud. “Ainda havia o soquerie, uma cota muito justa conhecida como guarda-corpo”, citou.
No período da Baixa Idade Média, entre os séculos 5 e 10, o ventre saliente e arredondado, combinado a seios e quadris pequenos, compunham a beleza da mulher. “Elas usavam enchimento por baixo da roupa para aumentar o ventre e bandagens para pressionar os seios”, afirmou a professora de moda Debora Caramaschi. De acordo com a professora de história da moda na universidade Santa Marcelina, Miti Shitara, o período foi marcado pela “silhueta gótica” – seios pequenos e ombros caídos.
Espartilho: mulheres com 40 cm de cintura
A chegada do Renascimento na Europa, no século 14, trouxe de volta a ideia da feminilidade. “Seios grandes, quadris largos e cintura fina”, descreveu Miti. Segundo ela, os corsets começaram a ser usados no século 16, com o intuito de afinar a silhueta e pressionar a parte inferior dos seios, para que eles se projetassem ao decote. “A cintura ideal na época era de 40 cm a 45 cm de diâmetro”, disse a especialista.
“Até então, os vestidos tinham armação de crinolina (crina de cavalo) que eram maleáveis, mas os saiotes começaram a ganhar suporte de metal e a mulher não conseguia mais movimentar a saia da forma que queria”, explicou Miti. Com isso, conforme ela andava e precisava passar por determinados lugares, levantava a saia, deixando as partes íntimas à mostra.
É neste cenário que as mulheres adotam o uso da “calcinha”. “Em 1820, elas começaram a usar as calças dos homens na parte de baixo”, explicou a professora Débora. Mas o modelo está distante do contemporâneo. Segundo Miti Shitara, a peça íntima era até os tornozelos, de amarrar e tinha uma fenda entre as pernas.
A “calcinha” era usada por baixo do corset. “A fenda servia para facilitar as necessidades fisiológicas da mulher, pois ela não podia tirar a roupa toda vez que fosse ao banheiro”, detalhou Débora. Segundo ela, as damas ficavam com a mesma calça íntima de três semanas a três meses.
A vestimenta até os tornozelos e o corset continuaram como a lingerie feminina durante toda o período da Belle Époque, que tem início por volta de 1880 até a chegada da Primeira Guerra Mundial, em 1914. “Os vestidos ganharam apenas uma armação levantada na parte de trás, a anquinha”, disse Miti.
Guerra encurta a lingerie
Em 1908, o estilista francês Paul Poiret propôs o fim do uso do espartilho. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), as mulheres precisaram abandonar os vestidos pesados e substituíram o espartilho por chemisettes – camisas usadas sob os trajes. “Aconteceu a simplificação das roupas”, disse Miti. Após o conflito, o público feminino ganhou liberdade, as calças ficaram mais curtas, foram enfeitadas com rendas e passa fitas, segundo a professora.
“O sutiã existia como um bustiê que dividia os seios desde o século 20, mas só foi patenteado em 1914 pela norte-americana Mary Phelps”, afirmou Miti. Nesta época, a moda sofreu uma revolução com a chegada do estilista Gabrielle Chanel. De acordo com Miti, as calcinhas se tornaram um shortinho com rendas e perderam a fenda entre as pernas. “Foi a primeira vez que as mulheres mostraram as pernas até os joelhos”, lembrou Débora.
Entre as décadas de 1940 e 1950, o sutiã ficou mais anatômico e recebeu o bojo; já as calcinhas ficaram como o é conhecida atualmente as calçolas, usadas pelo público da terceira idade. “Em 1950, os modelos de calcinhas começaram a acompanhar as tendências beach wear“, disse Miti. Segundo a professora de história da moda, em 1970 surgiu o modelo tanga e, em 1980, o fio dental.
Lingerie e a erotização
O movimento das pin-ups, na década de 1950, contribuiu para tornar a lingerie um objeto sexy, de acordo com Débora. Em 1960, a beleza estava em corpos franzinos e sem curvas, como o da modelo Twiggy. Na década seguinte, teve início a cultura do físico sarado e da prática de exercícios, que impulsionou o desejo de mostrar músculos e curvas.
“Em 1980, a lingerie passou a ser vista como objeto erótico, pensada em vestimenta para ser mostrada”, afirmou Miti. O cenário de “mulher independente e emancipada” da época deu liberdade ao público feminino para seduzir. “De manhã ela é a executiva e à noite sai para caçar seu homem”, brincou Miti Shitara.
Segundo Débora, o século 20 é marcado pela revolução da peça íntima feminina e do comportamento das mulheres. “Surgiram a lingerie dia, noite, a sexy e a casual”, enumerou a coordenadora do curso de moda da Faculdade Belas Artes, Valeska Nakad . Ela destacou o avanço da tecnologia e materiais usados no desenvolvimento dos produtos. “A palavra lingerie passou a ser utilizada em larga escala como referência de roupa íntima sexy”. Daí por diante, os modelos ficaram cada vez menores, mais criativos e variados.
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